2.10.08

São Paulo é representada em evento paralelo ao Festival de Cinema de Roma




Roma, de 18 a 24 de outubro de 2007
Durante sete dias, Roma, a cidade do cinema, será também a cidade das artes. Simultaneamente à segunda edição do Festival de Cinema de Roma (de 18 a 27 de outubro), acontece a exposição Metrópoles – da visão à realidade, que reúne artistas de quatro cidades de 18 a 24 de outubro, em Roma.
Roma, São Paulo, Mumbai e Joanesburgo. O que têm em comum estas cidades? O que as diferencia? Na tentativa de responder a estas perguntas – e incitar outros questionamentos –, a Rialto Santambrogio e a Stalkagency, em parceria com o Festival de Roma, lançaram a mostra Metrópoles, que se propõe a indagar esta realidade ultrapassando os limites da representação cinematográfica e convergindo todos os componentes artísticos que constituem a "linfa vital" de uma cidade.
A diversidade da seleção dos artistas é do curador e também artista plástico Alexandre Ignácio Alves. Em comum, as obras têm a escolha de São Paulo como personagem, não apenas como cenário. Mas, ao contrário do que pode parecer, não é a selva de concreto que os instiga e sim o seu material humano.
São Paulo, com seus 18 milhões de habitantes de diversas origens, é representada por seus filhos e por quem a acolheu e por ela foi acolhido. O mineiro Cao Guimarães, o venezuelano Ricardo Alcaide e os paulistanos Carolina Novelleto, Daniel Caballero e Alexandre Tahira mostram diferentes manifestações artísticas, que se amalgamam e contribuem para expandir a visão da metrópole em que vivem.
Vídeo-instalação "Rua de Mão Dupla"
Cao Guimarães
O trabalho de é a vídeo-instalação "Rua de Mão Dupla" (apresentada na 25a Bienal Internacional de São Paulo, em 2002), na qual o cineasta-artista propõe um documentário-jogo em que pessoas passam um dia na casa de outra (desconhecida) e dão seu parecer sobre esta, que é, na maioria das vezes, um parecer si mesmas. Uma visão sensível sobre a cidade e o individuo, o individuo e o coletivo, o individuo versus o indivíduo e o individuo por ele mesmo. Solidões se (con)fundem em algum momento deste fluxo de olhar e ser olhado, de identificação e de diferenciação.
Ricardo Alcaide
O fotógrafo venezuelano apresenta duas a séries. Uma delas é a "Transeuntes", na qual passantes mascarados posam para sua câmera, em São Paulo, levando-nos a pensar nas nossas máscaras sociais e no nosso modo de ver o mundo, nossos conceitos e preconceitos; sob qual lente vemos ao outro e a nós mesmos. A outra é a série "Outdoors", na qual, por meio de manipulação de imagens, Alcaide insere fotos enormes de peles e pêlos humanos no lugar onde originalmente havia outdoors (nota: feito em 2005, portanto, antes da Lei Cidade Limpa).
Carolina Novelleto
A bailarina apresenta a performance "Nós", que tanto pode ser a primeira pessoa do plural (para falar dos paulistanos: negros, brancos, amarelos, índios, italianos, portugueses etc.) e os nós que amarram esta rede de interações. No solo, a investigação de movimentos é acerca desse "corpo paulistano", que carrega informações das diversas culturas presentes na metrópole. Ela usa uma rede como objeto de interação cênica bordada com elementos que representam este corpo urbano.
Daniel Caballero
Já a instalação "Começo do fim do mundo", representa um barraco de uma favela cujo único acesso ao interior é por meio de uma janela. Dentro, vê-se uma espécie de caverna iluminada com a luz do fogo, uma alegoria ao caos da vida urbana, com sua violência, falta ou excesso de sentidos. A partir de espaços de habitação comuns, restritos e limitados, é na condição de espectador que o artista propõe revelar o muro que existe entre a população de uma mesma cidade.
DJ Tahira
Para finalizar, se apresenta no dia 27, na festa brasileira que encerra o Festival de Cinema de Roma, que terá o nome de "Cheiro do Brasil" (em português mesmo). Conhecido na cena brasileira pela sua vasta cultura musical e seu fino repertório, Alexandre Tahira defende a discotecagem eclética e informativa baseada numa mistura de estilos e sempre com fortes influências de música brasileira, latina, africana, jazz, soul e funk.
Londres, Barcelona, Berlim, São Paulo, Ottawa, Tallin, Hannover, Odessa, Ialta, Rio de Janeiro, Tartu e Cologne são algumas das cidades que fizeram parte do circuito mundial do DJ Tahira nos últimos dois anos.

De 18 a 24 de outubro de 2007
Ex GIL, Largo Ascianghi, viale Trastevere, Roma – Itália
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22.9.08

Pós-Conceitual



Por Saulo di Tarso

Nunca me esqueço do silêncio plasmar causado pelas afirmações feitas por Robert Kudielka, no Centro Universitário Maria Antônia, quando discorreu sobre a arte contemporânea internacional. Ao finalizar sua fala, ele dizia algo no sentido de que tínhamos que descer do vagão simbolizado por Duchamp, Beuys e Kabakov e inventar outra coisa, porque até então éramos ramificação imitativa daquilo que os três decanos trouxeram à realidade da Arte.
A platéia era composta, na sua maioria, por artistas e críticos descendentes ou afirmativos dos três. Na medida em que Kudielka falava, brotava-nos o conjunto de linguagens consagradas por ao menos duas gerações (80 e 90) representadas ali. Nunca mais ouvi ninguém falar a respeito. Mas, de fato, aquele dia foi um divisor de águas, no mínimo, porque delimitou muito bem que havia a necessidade do “fim” de três pregnâncias na arte tida como global: conceitualismo, neoformalismo e a das problemáticas ecológico-visuais proativas existentes na arte de Kabakov.
Daniel Caballero é uma espécie de autófago das artes visuais: quando você menos espera, surge uma harmonia refinada de dentro do caos e do previsível somados na sua linguagem. Harmonia que ele cria ao unir caligrafia à simbologia que traz de uma universalidade da ilustração, universo no qual se insere como criador original. A figura humana que forma edifícios transcende o óbvio e reafirma que do urbano nascem múltiplas realidades. A imagem nasce da palavra.
Sua ação visual resulta de um uso não pré-determinista das técnicas gráficas, digitais e espaciais. Esqueletos e barracos, vida e morte, poesia e cacografias. Você vê um muro na sua pintura? Eis o inverso do graffiti. Engana-se quem pensa que Caballero é uma espécie de neo-antropófago, pois do mesmo modo como a Antropofagia inaugurou a interação nas artes, a interação está transformando a Antropofagia em algo esmaecido no tempo. No que isso vai dar? Honestamente, não sei. Mas este “fim do mundo” que nos conta Caballero o alinha com Daniel Melim, Marcos Garutti, Nunca, Mangue beat, Funk carioca, Re:combo, Cordel do fogo encantado... Isso é Pop? Não, é outra coisa. É algo que veio das ruas onde Nina atuou como atriz e das sertanidades urbanas espalhadas por aí.
Cidades feitas de gente multicultural e multiconflitiva. Uma quarta via, talvez, coletivos pós-tudo feitos por artistas que não precisam descer do vagão, pois jamais estiveram nele.
Segundo o que se vê em “o começo 0.2”, Caballero está fazendo a beleza clássica contemporânea arder no fogo do inferno: aqui, outra iconoclastia: aquela que põe fim à lógica das instituições que pairam sobre todos como uma entidade de absorção, passagem e emissão de um conhecimento visual obrigatório. É uma situação visual livre, que do nanquim ao Macintosh, e daí para as ruas apreendidas pelo seu olhar, vai somando ao graffiti, webart e às mídias, musicais, impressas, sem incorrer a sua postura como figura única das artes visuais estigmatizadas por um circuito. Ao contrário, ele faz parte de um enredo coletivo, legado da geração contemporânea, sem limite de idade ou delimitação de escolas: fim. E viverão felizes para sempre: caos e Kudielka.

* Texto realizado por ocasião da exposição Começos do fim do mundo 0.2, na Livraria POP, São Paulo - 2007.




28.8.08

'Metrópoles' investiga semelhanças e diferenças de 4 cidades: São Paulo, Mumbai, Johanesburgo e Roma


Por Flávia Guerra, para  Estado de São Paulo 6 de Novembro de 2007 

ROMA - Metrópoles estão cada vez mais parecidas no tão apregoado mundo globalizado. Parecidas, mas não iguais. São exatamente as particularidades de quatro grandes cidades do mundo que investiga a mostra Metrópoles - Seus receptáculos e seus receptores. A exposição integra o calendário de atividades da 2ª Festa de Cinema de Roma e ocupa até sábado, 27, o histórico edifício GIL (ex-sede da Juventude Italiana), no Trastevere, tradicional bairro romano que hoje é reduto de galerias e da boemia da cidade.
A mostra é organizada pelo Rialtoccupato (um centro cultural independente e descolado que vem agitando a cena artística de Roma, o Trastevere) e a associação multicultural Stalkagency. Mais que discutir as cidades e o caráter delas, Metrópoles leva às ultimas conseqüências os limites da arte visual. Extrapola o cinema e atinge a linha vertebral das grandes cidades: seus cidadãos e seu modo de interagir com seu habitat. Além de São Paulo, Mumbai, Johanesburgo e a própria Roma são reveladas por vários artistas plásticos.
A seleção brasileira ficou a cargo do curador Alexandre Alves. Ele, que também é artista plástico, escolheu a dedo uma lista eclética e, ao mesmo tempo, coesa. Quatro artistas plásticos se encarregaram de revelar o que consome a cidade e o que a cidade consome: os brasileiros Cao Guimarães, Carolina Novelleto e Daniel Caballero, e o venezuelano Ricardo Alcaide. "Foi pensando exatamente no conceito antropofágico de Mario e Oswald de Andrade que escolhi estes nomes.
São Paulo é uma cidade que devora a todos que vivem nela. Mas também aprende a consumir destes mesmos moradores o que eles têm de melhor. E devolve para o mundo esta cara múltipla que a cidade tem", conta Alves. "Se formos fazer uma comparação grosseira com outros países, é como afirmar que na Índia, muitos estão aderindo às tradições ocidentais, por exemplo, nas cerimônias de casamento. E substituindo as seculares tradições hindus. Em São Paulo, e no Brasil, nós casamos como os católicos, mas não deixamos de cultuar tradições da umbanda. Isso é a síntese de muito do caráter multicultural brasileiro."
Artes
Para este caleidoscópio cultural, o mineiro Cao Guimarães trouxe a Roma a vídeo-instalação Rua de Mão Dupla. A obra, que foi sucesso de público e crítica na Bienal de São Paulo em 2002, é um jogo-documentário em que o artista propôs a troca de casas entre moradores da cidade. Cada um passava um dia no universo do outro. "Quem nunca teve a curiosidade de saber como vivem as pessoas de certas casas ao passar na frente delas? Esta é a parte mais íntima de uma cidade", comenta Alves.
Já Carolina Novelleto apresenta os Nós da grande cidade. Nós, a primeira pessoa do plural. Nós, os entraves destas tantas pessoas plurais. Negros, brancos, índios, orientais, italianos, judeus e tantos outros grupos étnicos formam a teia paulistana, que tem seus buracos, mas forma um tecido social colorido e encantador. Enquanto isso, Daniel Caballero construiu em plena galeria GIL uma típica favela brasileira. Um barraco é a síntese da ‘saudosa maloca’. Uma janela deste barraco é a porta de entrada para a grande favela que se abre. É o Começo do Fim do Mundo, obra que exibe estes espaços de vivência comuns e apertados. Espaços que dividem o imaginário dos que visitam a exposição e fazem sua crítica à sociedade de consumo e às necessidades que são criadas por ela.
Para completar o quebra-cabeça, o fotógrafo venezuelano Ricardo Alcaide exibe duas séries. A primeira investiga as máscaras sociais que cada um usa para sobreviver na selva de concreto. Para isso, Transeuntes retrata figuras mascaradas que posam para suas lentes nas ruas paulistanas. A segunda é Outdoors, em que, com a manipulação de imagens, Alcaide insere imensos painéis de pêlos e pele humana onde, originalmente, existiam outdoors publicitários. O fotógrafo criou esta séria em 2005, antes da Lei Cidade Limpa.
Para fechar a semana à moda brasileira, nada melhor que festejar. O DJ Tahira é o encarregado de botar os convidados da festa Cheiro do Brasil para dançar. Comandada pelo brasileiro, a festa dá início às comemorações de encerramento do Festival de Cinema de Roma.

A repórter viajou a convite do RomeFilmFest

LINK do Estadão
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15.8.08

“Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.“



Por Alexandre Ignácio Alves

*Manifesto antropófago (1928) Oswald de Andrade.
Dois grandes intelectuais brasileiros pensaram a cultura brasileira como uma cultura de apropriações.
Na saga “Macunaíma”, o poeta, romancista, crítico de arte, musicólogo e ensaísta Mario de Andrade afirma o povo brasileiro, como” um povo sem nenhum caráter”, um povo mestiço, de um país formado por todos os continentes.
Oswald de Andrade escritor do “Manifesto Antropófagico”, nos descreve como sujeitos de uma cultura antropofaga, ou seja, uma cultura de assimilação e apropriação do outro. Mas para ambos, a antropofagia é usada no sentido simbólico. O antropófago não come para alimentar-se mas para apropriar-se de características qualitativas do outro. misturá-las e hibridiza-las, transformando-se assim em algo novo.
São Paulo é uma megalópole antropofágica, que devora sem concessões seus 18 milhões de habitantes que, vindos de todas partes, devoram a cidade com uma voracidade luxuriante. E isto não deixa de multiplicar a rede de interação com outras grandes cidades do país,
No Brasil somos capazes de conviver com a diversidade antropológica de um modo particular. Esta forma acentuada por um certo caos social no convívio é a nossa grande contribuição para o mundo, ou seja, somos capazes de gerar uma sociedade multiétnica e transcultural que advém da apropriação das diversidades.
Somos uma nação multidisciplinar por excelência.
A escolha dos artistas que participam deste contexto se deu pelo viés da apropriação, ou seja, a partir da pluralidade de meios expressivos, da diversidade de pensamentos e origens étnicas dos convidados e de como estes artistas se utilizam destas linguagens para experimentar e ou absorver o outro. E quando algo no outro nos diz respeito é porque já temos internamente algumas reminiscências da nossa semelhança, muitas vezes guardada em toda e aparente diferença, que existe nas coisas.
Há uma projeção, um processo de internalização do outro. Esta pode ser uma chave para a leitura da linguagem arte-cinema que se projeta na obra de Cao Guimarães, Rua de Mão Dupla. Ele dá aos participantes (ou espectadores/ ou ambos?) a oportunidade de experimentar o outro em si mesmo.
Surgindo da dança, mas transpondo seu limite para o corpo-arte, vem a proposta de Carolina Novelleto, "Nós", que experimenta, em si mesma, os vários corpos da metrópole, corpos observados atentamente e nos quais ela percebeu as diversas influências étnicas, sociais e culturais que os moldam.
Na contramão, o venezuelano Ricardo Alcaide subverte a ordem canibal nas séries "transeuntes" e "Outdoors", ele devora e é devorado pela cidade. Sendo ele o único estrangeiro, sofre o incômodo com a cidade de São Paulo, o que o leva a manipular as imagens, criando uma “realidade” inexistente no entorno que a princípio lhe parece estranho.
E na sua instalação "Começo do Fim do Mundo", Daniel Caballero transforma a cidade e suas mazelas em seres atávicos, impiedosos com seus habitantes. O caos urbano é a sua ode, a favela seu reino e o barraco seu castelo.
Bienvenuti Signori in questa realitá paulistana, Babel brasileira, a metrópole que é a própria antropofagia.

* Texto realizado por ocasião da curadoria brasileira da exposição  Metropolis : contenitori di quali contenuti?, GIL, ex casa della Gioventú Italina del Littorio di Trastevere, Roma - 2007.