5.4.10

Coletiva, "Aluga-se"



Casa no Alto de Pinheiros, em São Paulo, se converte em espaço para exibição de obras de 33 artistas de abril a junho. Iniciativa foge ao modelo tradicional museológico e comercial das galerias. Entrada gratuita
De 10 de abril a 05 de junho, 33 artistas promovem a exposição coletiva Aluga-se dentro de uma casa da Avenida São Gualter, no Alto de Pinheiros, em São Paulo. Jardins, corredores, salas, cozinha e banheiros da residência dos anos 1950 são os espaços onde cada um dos artistas vai exibir uma obra especialmente criada para o evento.
Organizados em torno da criação auto-gestada de um espaço para a exibição de obras fora do circuito oficial de museus e galerias. A iniciativa foge do modelo tradicional de exibição sacramentado por museus e galerias comerciais. Tem entrada gratuita de terça a domingo, das 12 às 19 horas. Durante a exibição da mostra, serão realizadas palestras, leituras de portfólios, workshops com os membros do grupo e artistas interessados, além de críticos convidados.
São os artistas: Adriana Conceição, Afonso Tostes, Ana Nitzan, Ana Zveibil, Bárbara Rodrigues, Bettina Vaz Guimarães, Cinthia Marcelle, Daniel Caballero, Eide Feldon, Evandro Prado, Fabiano Soares, Felippe Segall, Giba Gomes, João Di Souza, Lais Myrrha, Laura Gorski, Lina Wurzmann, Marlene Stamm, Maia Wolthers, Mirian de los Angeles, Newman Schutze, Rafael Campos, Renato Pera, Roberto Bellini, Roberto Fabra, Roberto Freitas, Rodrigo Braga, Rosana Naday, Rosilene Fontes, Samir Jamal, Silvia M, Wagner Morales e Yara Dewachter.
“A iniciativa é uma forma de promover alternativas de exposições de arte contemporânea sem curadoria e em um ambiente familiar ao público”, atesta o grupo de artistas.
Espaço para arte
Usar o espaço como ponto de partida para a concepção de uma obra de arte não é assunto novo na história da arte, mas nem por isso deixa de ser assunto da arte. Seja uma gruta, capela ou mesmo um banheiro de mármore rosa, existe em cada realização o projeto do artista, a mão do autor. O espaço dado, nesse caso, torna-se suporte para um revestimento artístico, locus de uma intelecção e construção poética que entram em diálogo com a memória, os materiais e o uso corrente ou original daquele lugar.
O uso de espaços heterodoxos para exibições de arte é um fenômeno que obedece a lógicas circunstanciais. O happening, as memoráveis edições do “Arte Cidade”, projetos em calhas de rio, jardins, a street art e até mesmo as flash mobs, em que pese a discussão se o fenômeno deve ou não ser considerado manifestação artística, se valem dos locais onde são promovidas para darem maior ou menor conotação ao discurso das obras, seja individualmente ou por meio de uma curadoria, que não é o caso desta iniciativa.
A escolha da casa de 400 m2 no Alto de Pinheiros não é fortuita. Vaga, ampla e ajardinada, a residência carrega a memória do seu uso precípuo, o de residência. Não seria estranho imaginar os trabalhos como decoração do espaço vazio. Entretanto, cada artista apropriou-se do seu espaço e a seu modo, alguns criando um site specific, ou seja, uma obra concebida para um espaço dado, realizável ou não numa outra espacialidade, enquanto outros abraçaram a idéia de decoração dos espaços com obras pré-concebidas.


José Bento, sobre a instalação Não pise na grama ou Árcadia.

Desenho e arquitetura interagem, mas, inversamente, a livre improvisação do desenho resulta na linha espessa e contínua que percorre o sinuoso e azul espaço do banheiro sem violá-lo, mas cortejando-o. Talvez o valor intrínseco da forma livre não passe de uma ilusão metafísica e o desenho possa admirar a solidez das coisas e suas finalidades mundanas. Não é à toa que estamos no banheiro, local de necessidades físicas, nudez e também asseio, vaidade, purificação.

Não pise na grama ou Arcádia - Terra, plantas, desenho com tinta acrílica na parede e banheiro de 3mx4m

No que você está pensando agora? Por Leda Catunda, São Paulo, Abril de 2010

“o artista deve avançar especificamente para se perder, e intoxicar-se de atordoantes sintaxes, procurando por curiosas intersecções de sentidos, estranhos corredores da história, ecos inesperados, humores desconhecidos, ou vazios do conhecimento…mas isso exige risco, cheios de ficções infundadas e arquiteturas sem fim ou contra-arquiteturas…E no fim, se é que existe um fim, estarão provavelmente apenas reverberações sem sentido”[1].
Robert Smithson

Um grupo de artistas se reúne numa velha casa com muitos cômodos, dividem o espaço conforme seus interesses, iniciam um processo de adaptação de suas poéticas particulares levando em conta agora, as características arquitetônicas que qualificam o espaço escolhido. É uma ocupação coletiva. Todos tem o mesmo intervalo de tempo, alguns meses, cabe a cada qual a quantificação de investimentos e esforços. À princípio estão todos sujeitos à uma mesma regra e objetivo comum: acrescentar o fator de aproveitamento de um espaço dado à sua própria poética, seu trabalho, este que vem lentamente sendo elaborado desde o dia em que cada qual decidiu-se artista.
Essa ocupação surge como fator agregador de uma pequena comunidade de artistas a serviço da metáfora de transformar o mundo com sua arte, através da transformação efetiva de uma pequena parte do mesmo, no caso, essa casa.
O número de artistas surgindo de todas as partes só aumenta, assim como tem crescido o público espectador para arte. Considerando a arte ocidental, tal como a entendemos de quinhentos anos pra cá, pode-se, com segurança, afirmar que nunca houve um interesse tão grande em arte contemporânea como hoje em dia. Ansioso em participar e tomar parte dos acontecimentos ou simplesmente em busca de entretenimento, este público forma grandes filas nas portas dos museus, bem como nas infinitas bienais espalhadas pelo mundo.
Interessa observar que tipo de impulso move esses artistas, quais são seus ideais e em que nível se relacionam com o mundo. Pensar de forma geral o que pretendem com sua arte. De que forma escolherão relacionar-se com o desafio de atuar num circuito artístico, por um lado, um tanto quanto desencantado pela intensa mercantilização, onde as relações de compra e venda que se estabelecem coordenam os anseios tanto de quem compra quanto de quem vende. Desta forma, criam-se necessidades paralelas que acabam por promover um forte achatamento das leituras inicialmente pretendidas pelo artista. O alcance poético da obra ou da ação do artista tende a sucumbir a simplória valoração numérica válida para todas as coisas que habitam a esfera da simples mercadoria.
De outro lado ainda, este mesmo artista terá que lidar com um circuito repleto de procedimentos burocratizados com editais e seleções onde, discursos coerentes sobre a produção surgem sempre acompanhados de uma boa documentação. Mecanismos através dos quais criam-se trilhas altamente previsíveis, resultando aceites e recusas inexoravelmente injustos, geralmente baseados em critérios de eficiência no preenchimento dos muitos quesitos exigidos.
Entretenimento, participação, interatividade, denúncia e engajamento politico, ecologia, ocupação, ação, representação, mobilização, residência, no que você está pensando agora? O que escolher no cardápio dos novos estilos e fazeres comuns do momento pós-histórico?
Seria saudável duvidar destes, entre outros fazeres comuns no atual universo da arte. Duvidar de seu real alcance e potencial, uma vez que se pode perceber um alto grau de padronização de atitude, uma espécie de uniformização das manifestações artísticas.
A verdadeira transformação virá, como sempre, de onde menos se espera. À medida em que o artista se submete a regras ou busca coerência com o sistema, ele deixa de investir na liberdade de pensamento e cessam os progressos na investigação do desconhecido, campo este, onde efetivamente se situa toda a área de interesse. Tarefa complexa e ao mesmo tempo estranhamente simples de dar a conhecer o que antes não se sabia, assim como fizeram Mondrian, Picasso e Duchamp, entre muitos outros. Agora não mais necessariamente para trazer o novo, como na modernidade, mas para continuamente transformar o já conhecido. É um processo ininterrupto no qual o artista permanece como ferramenta fundamental na promoção dessa transformação, criando atalhos, renovando olhares e conceitos. Aí está a razão, talvez, do brotamento contínuo de artistas por toda parte, são pessoas a quem interessa criar uma nova fachada para o mundo, novas possibilidades de compreensão do real.
Considera-se que a arte opera num campo específico, promovendo ambiguidade de sentidos através da manipulação de imagens e da criação de metáforas. Isto se dá através de uma leitura perpendicular da realidade que o artista realiza em seus voos. Através dessa ambiguidade, enxerga-se a possibilidade de reservar à arte o poder de relativizar valores padronizados, acentuando a ideia de que ela não tem uma função específica e concentrando investimentos nas sutilezas da poética proposta pelo artista.



Evento: exposição coletiva Aluga-se, com obras de 33 artistas
Local: Avenida São Gualter, 1941, Alto de Pinheiros, São Paulo
Abertura: sábado, dia 10 de abril de 2010, 15 horas
Período Expositivo: de 11 de abril a 12 de junho