Por Douglas de Freitas, São Paulo 2015
É natural que com o passar do tempo a paisagem vá se alterando. Esse processo não é exclusivamente resultado da ação do homem, desde que o mundo é mundo, processos químicos, e de sobrevivência das espécies, acarretam na mudança da paisagem. Foi apenas nos últimos séculos que a ação do homem veio de fato ter impacto sobre a paisagem, e a noção da escala desse impacto chegou apenas nas últimas décadas, com o avanço da tecnologia, e a possibilidade de observar a terra a partir de outra escala, a aérea, dos voos e dos satélites.
Nos últimos anos Daniel Caballero voltou sua pesquisa para os extintos Campos de Piratininga, tipo de vegetação característica do Cerrado Paulista, que tinha presença intensa na cidade de São Paulo. Seu interesse veio de trabalhos anteriores, onde o artista registrava a coexistência entre natureza e ação do homem, ou natureza e construção humana. Deste processo surgiu o interesse em saber que espécies eram aquelas, que se embrenham no concreto e resistem.
Assim nasce a exposição “Terra non descoperta”, título emprestado do primeiro mapa que mostra o Brasil individualmente que se tem notícia, realizado por Giovanni Ramusio e publicado em 1556 em Veneza, onde um território impreciso é retratado junto a monstros marítimos, e o rio Amazonas nascendo de um vulcão ativo. Assim como no mapa, realidade constatada e construção poética se misturam nos trabalhos do artista. Na entrada da exposição o artista edifica a base de uma montanha seccionada. A vegetação que a constituí são exemplares característicos do Cerrado Paulistano, colhidos pelo artista em sua maiorias em espaços urbanos, reconstruindo assim uma imagem ficcional do que seria a paisagem intocada da cidade de São Paulo.
O trabalho se concretiza em sua integridade máxima dia 29 de maio, com a construção da outra ponta em secção dessa montanha monumental invisível dentro do Museu de Arte de Ribeirão Preto. Lá a montanha chega com exemplares colhidos da região, como se ao percorrer a distancia monumental de mais de 300 km, a montanha também viajasse no tempo, saísse de um estado intocado de 500 anos atrás para chegar em Ribeirão Preto como a paisagem contemporânea.
Na série de desenhos e pinturas de grande formatos presentes na exposição, os registros precisos da ação de resistência da natureza à cidade contemporânea dão lugar à construção de paisagens densas, construídas sobre outras paisagens, entre detalhes de plantas, plantas arquitetônicas e escritos do artista. Nesses trabalhos varias técnicas e estratégias são traçadas e sobrepostas, em um construir e apagar para então construir novamente, como nas paisagens das cidades. Ao mesmo tempo em que são caóticos, esses trabalhos ainda trazem algo de um estado meditativo de contemplação, como nas pinturas de Alberto da Veiga Guignard, ou nas pinturas orientais que Guignard tanto reverenciava. Junto as pinturas aprecem uma série de desenhos, fotos e vídeos, que se articulam para dar conta das ações do artista sobre essa paisagem que ele investiga. Aqui o registro volta a aparecer no trabalho, e reaparece de diversas maneiras, com liberdade de expressão, ao rigor realista das gravuras e mapas que registram expedições de descobrimento e desbravamento, ou ainda como estudo de botânica de espécies encontradas na cidade, tudo posto como estudo do fazer do desenho, apresentados como insígnias dos achados do artista, e mostruário de seu apuro técnico.
Se em “Viagem pitoresca através do espaço ao redor da minha casa” Daniel Caballero propõe registro de sobreposições entre cidade e natureza dentro da escala do seu cotidiano, “Terra non descoperta” tem outra escala. A escala continua a do corpo, a corpo do artista, a do nosso corpo, mas não é simplesmente um registro poético do cotidiano. Aqui o que sai da escala do presencial é imaginativo, é ficção construída pelo artista, e se desdobra em outra escala de tempo e espaço. Tudo aqui é paisagem reconstruída dentro do ideal romântico de paisagem, é a natureza tentando vencendo o concreto, se infiltrando e retomando seu lugar, num exercício de se deixar apagar, para depois voltar a construir.
1 Exposição realizada em 2012 no Paço das Artes – SP, como parte da Temporada de Projetos
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