28.10.14

As raízes são importantes

por Mariaelena Cappuccio, Lisboa 2015.

Acaba tudo com a morte mas no meio está a vida, escondida debaixo da terra, do ruído e do silêncio, do sentimento e da emoção. As esporádicas rajadas de beleza e depois a miséria das ruínas produzidas pelo homem. O caminho é o seguinte: beleza, ruínas, re-edificação em algo de mais útil, supostamente. A geografia do mundo sempre mudou e, em São Paulo, temos noção dessa rapidez, excessiva talvez, seguindo os passeios investigadores do Daniel Caballero. A necessidade de construir algo de novo, o delírio divino do homem de modificar a paisagem para viver melhor, tirando espaço, criando voragem na terra, mexendo nela, desnorteando e tirando os seus pontos de referência geográfica. O irreprimível impulso de destruição decorre da atitude delirante de interpretação do mundo. Nesse processo todo, a falta de uma Geografia, a contínua re-construção da natureza reflecte a vontade “sobrehumana” de dominar. Dominar uma natureza que, sendo assim, aparentemente domesticada apesar da sua magnífica omnipresença. A morte está incluída no processo, como as raízes, que, pelos vistos, podem não estar bem radicadas na profunda terra, mas proliferam na superfície. Modifica-se o olhar do pedestre que convive com natureza “concreta“ - construída. Esse choque visual (e auditivo) tornou-se a normalidade paulistana documentada nas pinturas efémeras do Daniel. Desenhos que contemplam com olhar desencantado (quase distante) a natureza, um olhar contemporâneo, do concreto. No acto da observação, Caballero foi inspirado pelos primeiros naturalistas que olhavam a natureza com curiosidade analítica, catalogando as diferentes espécies (naturalmente selvagens).

E agora? A naturalidade da natureza está a modificar-se. Na cidade encontra-se uma nova paisagem com novas florestas, pedras e elementos naturais colocados pelo humano. Paisagem do concreto, montanhas. Novas perspectivas que se perdem num horizonte que no final não existe mais pois se cria uma flora cheia de novas plantas: os prédios-árvores. Uma floresta que corta assim o respiro. A realidade ruidosa da cidade vem criada a partir duma “tabula rasa”, uma parede cândida. Ai começa tudo, no princípio em mudo, com muito cuidado, quase com um traço incerto, depois acontece algo, o pincel esta beirado de verniz preto e tudo se torna confuso quase violento no seu ser. A claridade do branco vem manchada da sujidade das ruínas, pedras, pranchas de madeira e paredes partidas que ainda resistem em equilíbrio, que ameaçam cair num momento qualquer. Processo violento que cria um movimento sinuoso, misturado com a terra - físico. Daniel entra com o próprio corpo dentro da sua própria pintura, sendo quase engolido pela parede e pelas pedras, criando no final novas paisagens efémeras, que vão continuando a própria evolução em algo de diferente, melhor supostamente. A violência visiva, talvez emotiva que a cidade transmite com essas mudanças inesperadas vão ser re-criadas do Daniel quando pinta. Parece que ele também faz parte do processo de destruição, que muda tudo e que nos deixa com uma nova visão da realidade. Talvez tudo isso nos sirva para apenas perceber os mecanismos que criamos colectivamente andando por cima de nós mesmos.

* Texto realizado por ocasião da curadoria da exposição Tóxico Trópico de Daniel Caballero, na Galeria Carlos Carvalho, Lisboa, Portugal - 2015.



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