Relatos antigos perguntavam como construir uma casa em um lugar tão inóspito, o inferno verde a ser eliminado. Mas se antes este era o território dela, agora é meu. |
EXPEDIÇÃO BOTÂNICA ENTRE AVENIDAS PAULISTANAS
Primeiramente evito as rotinas que a vida urbana exige, e me dedico a ficar parado. Passo desapercebido na multidão e aos poucos vou deixando de prestar atenção no ir e vir das pessoas até que ficamos todos mutuamente invisíveis.
Essa pequena preparação para explorar um território que me é tão familiar, é necessária no redescobrimento do meu próprio habitat. Fecho então os olhos como um tipo de ritual, para quando os abrir estar em um lugar desconhecido.
A vista mostra um lugar vazio, que vai se preenchendo aos poucos com minha presença, conforme observo.
O tempo mudou, agora passa lento, e sinto a atmosfera e o cheiro particular da cidade.
Ao deixar de fazer parte do cenário cotidiano, perco minhas referências, e me torno apenas um observador solitário, imerso nessa nova paisagem, onde tudo que vejo é meu.
Começo a andar.
Uma bromélia me chama á atenção, toda verde com o centro bem vermelho, paro imediatamente, como se obedecesse um farol de trânsito.
Amarrada no tronco de uma árvore, com algumas voltas de arame farpado, quem a colocou aqui, queria determinar a disputa de mediar o lugar das coisas.
Na cidade, as plantas participam como acessórios, permitidas, desde que tenham alguma função produtiva ou decorativa, e todo o resto é tratado como erva daninha á ser eliminado.
Bromélias, orquídeas e outras plantas, dificilmente escolhem onde querem ficar, devido a sua beleza, são recolhidas perpetuamente, levando algumas á extinção, e existindo unicamente nas floriculturas.
Entro em um supermercado, onde todos compram comida e outros itens, se concentra a maior biodiversidade da metropóle.
Uma plânice de gôndolas formam uma topografia peculiar, onde múltiplas safras simultâneas com variados tipos de abóboras, alfaces e tomates de todos os lugares da terra, se encontram aqui. Caminho entre prateleiras altas que me conduzem á seção de jardinagem.
Um campo multiperfumado e colorido, de flores vestidas,em embalagens plásticas, alinhadas como um exército bonito, confunde minha vista. Não sei o que me encanta mais, se são as cores das flores, ou o reflexo da luz que passa pelos plásticos das embalagens.
Mesmo nesse ambiente reservado, percebo um beija-flor que entra voando no recinto á procura de pólem. Aparentemente desconhece as froteiras que determinamos, da mesma forma que a planta não obedece o vaso.
Hibrídas, produzidas em larga escala, de desenvolvimento rápido, e se reproduzindo com muito sucesso, algumas destas espécies de plantas, que serão compradas aqui, vão se espalhar, colonizando desenfreadamente grandes áreas, indo muito além dos lares que as abrigam. Vão travar uma guerra vegetal silênciosa, que modifica a paisagem de forma irreversivel.
Foram criadas para atender uma tradição longínqua que começou no deserto, onde óasis eram transformados em jardins, potencializando a vida em um lugar regrado pela falta de água.
Aqui ,onde construimos nosso deserto, atendem uma nostalgia do paraiso, memórias das últimas pessoas que passsaram a infância em grandes áreas verdes, ou caprichosos paisagismos tão variados quanto á imaginação e gosto dos donos.
A paisagem anterior, totalmente erradicada, deu lugar ao único habitat possível para o homem, a cidade contemporânea, onde o espaço e sua utilização são continuamente aprimorados, para eliminar todos os problemas cotidianos. Neste planejamento não existe lugar para áreas inúteis.
Mas o que fazemos com as coisas que não sabemos que precisamos?
Texto do livro "Viagem Pitoresca no espaço ao redor da minha casa". Na exposição um caderno solto era distribuido como fragmento do livro.
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