Por Renato Pera, São Paulo Maio de 2014.
“A cidade dá a ilusão de que a terra não existe”
Robert Smithson
A
meu ver, o que anima a obra de Daniel Caballero é uma inclinação à
entropia, um grau extremo de desordem e imprevisibilidade, em que a
matéria de seu trabalho tende a um estado de falência, de saturação e de
dissolução de limites. Aí reside o maior interesse de suas proposições
e, especialmente, de seus procedimentos. Muitas vezes, essa tendência é o
resultado de gestos conscientes – ou nem tanto - em atitudes de
auto-sabotagem: se o desenho está demasiadamente bonito, se apresenta um
prazer visual confortável, algum gesto inadvertido do artista e mais
violento certamente manchará esta beleza. O inadvertido, o impulsivo, e o
arriscado ganham muita energia em seus trabalhos. Do contrário,
tenderiam para o extremo oposto, para uma beleza anacrônica e
vintage. Tenderiam, igualmente, para um cinismo. Anacrônica porque não
se espera que artistas hoje utilizem um repertório iconográfico de
botânica, especialmente uma iconografia embebida em temas
enciclopedistas e colonialistas (pensemos nas expedições científicas que
se realizaram no Brasil desde o século XVII). Uma gráfica de poder,
seria possível afirmar. Não me arriscaria a criar uma defesa das
qualidades cínico-críticas do uso desta iconografia, pois parece-me que o
artista ainda está buscando o terreno crítico no qual quer apoiar a
resolução formal de sua produção. Deixar esta fenda aberta pode ser
muito proveitoso. Se o discurso crítico tende à solidificar,
diferenciar, impor limites ao assunto, parece-me, pois, um continente
inadequado para uma obra de arte entrópica, sem forma, desajeitada.
O
artista propõe excursões com o objetivo de detectar as relações que a
cidade (uma grande cidade como São Paulo) estabelece com a paisagem
natural. Nesta “queda de braço” entre cidade e natureza, a cidade já
ganhou, e já vem ganhando há muito tempo. Se a paisagem natural poderia
despertar em nós uma emoção sublime - reverência, ameaça, terror, ou
ainda, diluição em sua vastidão e potência ilimitadas - não parece ser
esta a natureza apresentada pelo artista. A experiência do sublime, em
seu trabalho, encontra um eco nostálgico, mas que o artista esforça-se
em recompor ao armazenar num mesmo espaço amostras de plantas e de terra
em seu estado natural, recolhidas em terrenos baldios, além de desenhos
e estruturas que nos remetem à paisagens montanhosas. Do grande
corpo sólido de terra e pedra que é uma montanha, o artista preserva
somente um vestígio, uma pequena referência. O que me parece
interessante é que, além de ser montanha, as estruturas são também
cabanas, lugares rudimentares de proteção e abrigo, e temos
uma contradição frutífera: por um lado, uma domesticação da
representação da paisagem natural (movimento que a configuração da
cidade realiza), e por outro, um retorno a uma condição primitiva, ao
interior da caverna (novamente, entropia).
Demiurgo-Caballero.
Se o demiurgo platônico reproduz a forma segundo modelos ideais,
portanto impõe ordem onde a ordem não existe, Daniel Caballero parece
encontrar um mundo em desmoronamento. O demiurgo torna-se uma espécie de
arquivista, um ser exausto que tenta reter algo deste mundo com fita
adesiva e outros materiais toscos e rápidos, antes que o mundo deixe de
existir.
*
Texto realizado por ocasião da curadoria da obra Land Art ou Onde
podemos construir montanhas? de Daniel Caballero, na Estação São Bento
do Metrô de São Paulo, como parte da 9ªSemana Metrô do Meio Ambiente -
2014.
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